domingo, 7 de novembro de 2010

CAPÍTULO VIII

- Ele se formou, oras!

- Sim, mas isso não o faz melhor que ninguém. Já pensou se a cada vez que o João alcançar algum objetivo ficarmos lhe dando presentinhos? Não, ele tem que fazer as coisas por si e não pensando no que irá ganhar. Se agirmos assim com a formatura dele no 2º grau, o que faremos quando chegar à faculdade?

- Quer dizer que você não concorda com a viagem?

- Não falo dela, somente! Podemos viajar, mas uma viagem comum, dessas que todas as famílias fazem, sem que seja presente para ele.

Esses eram os pais de João Carlos. O pai queria lhe dar uma viagem como forma de parabenizá-lo pela formatura no 2º grau. Não acredito que seja só isso, talvez a viagem, ou melhor, o presente seria uma forma de dizer ao filho que, mesmo com toda a distância entre eles, ele o amava. Mania de gente rica. A mãe de João Carlos não concordava. A viagem já estava planejada e não havia porque dizer ao filho que seria presente pela formatura. Após muitas conversas decidiram que seria apenas uma viagem em família. E o destino? Argentina.

Quando informado dos planos de seus pais, João Carlos não se empolgou muito. Ele preferia ficar no Brasil mesmo e passar suas férias com seus amigos. Mas, não tinha outro jeito. Sorriu forçadamente e disse que a viagem seria maravilhosa. E, de fato, ele descobriria que sim.

Embarcaram logo após o réveillon e ficariam por um mês.

As primeiras noites não foram tão animadas,João Carlos e seus pais saiam, jantavam e voltavam para o hotel. Procurando por uma noite diferente, neste dia João Carlos não voltou para o hotel. Resolveu que daria umas voltas, queria conhecer novas pessoas e testar seu espanhol.

Saiu caminhando por uma praça que havia perto do hotel onde estavam, um lugar muito iluminado e muito bonito. João Carlos estava encantado com aquele lugar, nunca tinha reparado em sua beleza. Ele reparou também na beleza de uma mulher que estava sentada em um dos bancos da praça. Usava um vestido discreto, mas muito sensual, estava de pernas cruzadas, sobre as quais apoiava um livro (chamado “Travesuras de La Nina mala”) naquele momento, fechado, pois a mulher se dava ao prazer de fumar um cigarro observando o vai e vem de pessoas. Em um dos momentos que ela se virou, encontrou os olhos de João Carlos, olhos curiosos. Cumprimentou-o com um sorriso, o que foi suficiente para que o jovem rapaz se aproximasse. Meio tímido começou um diálogo. Em pouco tempo os dois riam como se fossem velhos conhecidos. Ela já deveria ter seus 27 anos e chamava-se Ester. A noite foi tão agradável que ambos decidiram encontrarem-se no dia seguinte, mas dessa vez no período da tarde, para que pudessem aproveitar mais o dia.

E assim foi o dia seguinte e todos os outros enquanto João Carlos esteve na Argentina. Ester era uma mulher muito bela e muito inteligente,as conversas entre eles rendiam muito e João Carlos aprendeu muito com ela. Foi por ela que, pela primeira vez, ele ouviu dizer de um tal Marx e, foi com ela, que ele teve sua primeira noite como homem,completamente entregue e envolvido por seus braços, cheiro, gosto.

Muitas noites os dois passaram juntos, ele muito apaixonado e ela curtia intensamente cada momento. O mês de janeiro passou muito rápido e logo chegou o dia de João Carlos voltar para o Brasil. A noite que antecedeu a volta foi a mais forte de todas elas. As lágrimas pela despedida misturavam-se com o suor daqueles corpos que se amavam, o calor daquele momento fez João Carlos ter certeza de que estaria ligado a Ester por toda uma vida

Ele voltou para o Brasil e por muito tempo Ester fez parte de seus pensamentos. Por ela, ele começou a se interessar por Marx e seus pensamentos. Por ela João Carlos escolheu o que queria cursar e como se portaria até que pudesse reencontrá-la.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

CAPÍTULO VI

Muitas manhãs se passaram assim, João Carlos pegava Plauto na praça da Bandeira e juntos seguiam para a faculdade. Em uma dessas manhãs, tendo a copa do mundo como assunto a aposta foi lembrada:

- Rá, você viu como tem jogado a Alemanha, Plauto?! Eu te avisei, o Brasil não vai ter a menor chance! Disse João, entusiasmado.

- É cara, a coisa não está boa para a seleção não!

Quase irônico, João continuou:

- Ah, meu caro, os cinquentinha já fazem parte do meu orçamento!

- Calma lá, rapaz! Eu disse que a coisa está difícil, mas ainda confio na seleção. Afirmou Plauto, confiante.

- Faz-me rir, meu caro amigo, faz-me rir. Disse João às gargalhadas.

Nesse mesmo clima, entre brincadeiras e gargalhadas, os dois amigos completaram o trajeto até a faculdade.

Lá, a copa do mundo também era tema da maioria das reuniões pelos corredores. A expectativa, maior pelos “bolões” que eram realizados do que pelos próprios jogos, tomava conta de exaltar os ânimos dos estudantes. As discussões eram sempre interessantes e muito animadas. Foi em uma dessas conversas de corredor que João Carlos se apaixonou.

Artur, outro grande amigo de João, chegou muito entusiasmado, de mãos dadas com uma bela moça loira, de estatura mediana. Logo, logo tratou de apresentá-la:

- E aí, galera?! Tudo tranqüilo? Esta aqui é a Jenifer, uma amiga minha lá do bairro. Agora, ela é caloura do curso de ciências biológicas aqui da faculdade. Hoje eu resolvi trazê-la porque ela é uma amante do futebol então imaginei que ela iria curtir esses nossos papos de corredor!

- E aí, Jenifer, Tudo bem?! Chega aí com a gente vamos conversar. Chegou João Carlos, muito solícito e simpático puxando a mão da garota e a levando para o meio da roda.

Naquela manhã, Jenifer usava uma calça jeans bem justa e uma blusa clara, mais soltinha no corpo. Não usava salto, mas sustentava uma elegância. Ela tinha estudado com Artur em uma escola lá do bairro Nova Suissa, região oeste de Belo Horizonte, durante a adolescência, mas perderam o contato após a formatura do 2° grau. Foi por acaso, em uma das manhãs que ela e Artur se encontraram na faculdade e retomaram a velha amizade.

Possuidora de um alto astral e de uma grande desenvoltura e simpatia, poucos minutos de conversa foram suficientes para Jenifer conquistar a todos, principalmente João Carlos, que estava completamente envolvido pelo jeito e pelos casos que Jenifer, entusiasmada, compartilhava com os novos amigos.

- Ei, psiu, João?! Acorda, cara! Ou ao menos fecha a boca, né?! Seja mais discreto, amigo, dessa forma você vai deixar a garota constrangida! Disse Plauto, em tom bem baixo, para se fazer ouvir apenas por João.

Envolvida na conversa, a garota mal reparava nos olhares que João Carlos lançava para ela, ou, se reparou, preferiu fingir que não e continuar a conversa.

Por algum tempo a voz, o rosto, o jeito e o cheiro de Jenifer tomaram conta de todos os pensamentos de João Carlos. Nesses tempos, nem copa do mundo, nem o curso, as provas e trabalhos, nem a companhia diária e on line de O Capital tinham o menor interesse. João Carlos trocava tudo para passar uns momentos pensando em Jenifer, jogado sobre seu colchão.

terça-feira, 1 de junho de 2010

CAPÍTULO IV

Era por volta de quatro e meia da manhã e até este horário, João Carlos ficara na internet. Estava lendo sobre coisas que, no momento o interessavam muito: Karl Marx e um possível destino para o seu carnaval.
Agora, ele relaxava um pouco. Estava sobre sua cama, grande (daquelas para casais) nem macia nem dura, que cheirava a roupa limpa, recém trocada – aliás, esse era um hábito em sua casa: trocar as roupas de cama de dois em dois dias.

Antes de dormir, muitas coisas passavam por sua cabeça (antiga mania de fantasiar).Refletia sobre uma série de coisas, na verdade, sobre um monte de figuras. Naquele momento, tudo em sua vida eram figuras: o quarto onde estava, a cama sobre a qual estava, a tela de seu computador. Karl Marx era também uma figura, uma figura naquele momento bem indefinida, por sinal. Seu carnaval? Outra figura, bem bonita e, de preferência, quente.
Foi nessa última figura que João Carlos ficou por um bom tempo. Queria um lugar não muito longe, mas diferente. Queria que fosse quente, muito bonito, queria reunir seus antigos amigos e os novos, conquistados na faculdade. Queria levar uma garota, alguém que naquele momento lhe era muito importante. Quanto gastaria? Ah! Naquele momento isso não importava, afinal, carnaval só tem um por ano. Pela internet ele conhecera alguns lugares que poderiam ser seu destino final. Havia selecionado alguns lugares. Montanha ou praia? Não sabia e contava com seus amigos para decidir.
Na verdade, ele estava mais concentrado na farra que fariam no carnaval e isso o deixara muito ansioso.

Resolveu se concentrar em outro assunto. Mentalmente, retomou tudo que lera sobre Karl Marx e desejou alguém para conversar sobre aquilo tudo. Sua cabeça fervilhava em idéias. Desejou que seu avô pudesse estar presente. João Carlos tinha certeza de que ele seria a pessoa certa para esse assunto.
Como ele não estava por perto, imaginou como seria essa conversa, como seu avô rebateria seus argumentos tão bem embasados em trechos recolhidos internet afora d´O Capital. Ah! Essa conversa renderia muitas horas prazerosas de conversa. Mas não dava para imaginá-la toda. Em todo esse devaneio noturno já se passara quase uma hora e em pouquíssimo tempo ele deveria acordar para mais um dia de aula na faculdade. Abraçou-se ao travesseiro e, de cara colada com a parede, pegou no sono.

Às sete horas da manhã João Carlos estava dentro de uma calça jeans, vestindo uma camisa vermelha, calçando um all star e se despenteando de frente ao espelho. Procurou as chaves do carro, pegou a mochila onde estava seu notebook e saiu às pressas de casa.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

CAPÍTULO II

Dessa vez ele estava certo. João Carlos da Silva. Era esse seu nome e estava lá, na lista dos aprovados.

Não era a lista de uma universidade pública (fato que não fazia a menor diferença para ele), mas era uma particular bem conceituada. A sua parte ele fizera, independente da sua dificuldade na redação e do ensino escolar ao qual fora submetido, ele havia conseguido ingressar no ensino superior. Seus pais tinham agora a obrigação de pagar a mensalidade, coisa que João Carlos sabia não ser problema algum para eles.

Todo o “rito de iniciação” foi cumprido: primeiro, comemoração com os amigos, muita cerveja e nenhum cabelo; depois, trote na faculdade, nenhum amigo (ainda) e muita diversão para os veteranos. Foi nesse mesmo ritmo de farra que João Carlos iniciou suas aulas. O objetivo era curtir a vida universitária ao máximo.

Nas aulas, os professores apresentavam para aqueles recém – universitários; teóricos desconhecidos, textos com vocabulário incomum, regra para fazer isso e aquilo. João Carlos sentia um misto de pavor e prazer com todas essas novas coisas. As provas e os trabalhos, marcados aos montes e nos primeiros dias de aula, as farras também marcadas aos montes e em quase todas as noites. Eram muitos textos para ler e muitas cervejas para beber.

Foi por causa de um desses trabalhos que João Carlos conheceu Karl Marx, (antes ele sabia quem era, e, por ouvir dizer, sabia de alguns ideais marxistas, mas nunca tinha lido nada de Marx) e, logo de início o calouro já começou a se dizer marxista. Chegou a pensar na idéia de adquirir um volume de “O Capital”, mas voltou atrás ao pensar em quantas cervejas poderia tomar com o dinheiro que gastaria para comprar tal livro. A princípio, ficou com as cervejas e o exemplar baixado da internet.

As farras também lhe trouxeram boas coisas. Bons amigos e algumas mulheres. Ele não era um cara lindo, mas chamava a atenção das meninas. De algumas, provavelmente pelo carro que ganhara de presente dos pais por sua aprovação no vestibular.

Para cima e para baixo, por um bom tempo, João Carlos sustentou um sorrisinho de vitória no canto da boca. Curioso, esse sorrir de canto de boca o deixava muito parecido com o avô.